Abuso
sexual infanto juvenil: como lidar?
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A CID-10 classifica a pedofilia
como doença, a arrolando no item F65.4, dos transtornos da preferência sexual.
O dicionário Mini Aurélio, 07ª Edição, não trata do tema. O código Penal
Brasileiro, não fala em abuso sexual de forma explicita, porém em seu Título
IV, onde trata “Dos crimes contra a dignidade sexual”, descreve condutas, as
quais tipificam como crime, sendo as mesmas passíveis de serem qualificadas
como abuso sexual infanto-juvenil.
Em seu livro Abuso Sexual em
Crianças/Fortalecendo Pais e Professores para Proteger Crianças Contra Abusos
Sexuais e Pedofilia, a autora Christiane Sanderson, diz que o Abuso Sexual em
crianças, “É de natureza social, tendo em vista que é influenciado de maneira
intensa pela cultura e pelo tempo histórico em que ocorre, o que dificulta
estabelecer uma definição aceita universalmente”, mais adiante ela diz que a
“definição de abuso e criança varia nas diferentes culturas”. (Sanderson
Christiane, São Paulo, 2005).
No Brasil, por exemplo, aos olhos da lei,
até 12 anos incompletos é considerado criança. Acima de 12 já é considerado
adolescente, porém segundo a última revisão do código penal, nos artigos “dos
crimes contra a dignidade sexual” práticas sexuais com adolescentes até 14 anos
incompletos é considerado estupro de vulnerável. A própria Sanderson dedica um
capítulo inteiro do livro para falar sobre o que é abuso sexual em crianças,
porém mesmo assim não é possível chegar a uma conclusão universal e definitiva sobre
o tema. Outros autores também tentam definir abuso sexual, porém também sem
êxito.
Talvez o leitor esteja se perguntando: Para
que definir, eu sei o que é abuso sexual e isso basta! Não discordo do leitor,
mas definir ajudaria estabelecer políticas públicas para combate e prevenção da
pedofilia, ou melhor, do abuso sexual. O mais estranho disso é que uma prática
milenar como o abuso sexual, ainda hoje, em pleno século 21, não conseguiu se
quer ser definida. Por que será???
Se você leitor, conseguir pensar sobre o
tema: abuso sexual infantil, já estará dando o primeiro passo para quebrar o
que no meu entendimento é o maior impedimento para que se busquem soluções para
o tema: O tabu. Sim o tabu impede que se pense livremente sobre o abuso sexual
infantil dificultando a busca de soluções e respostas para o mesmo, PENSAR
NÃO É CONCORDAR, MAS SIM UMA FORMA DE COMPREENDER PARA PODER
COMBATER, POIS NÃO SE COMBATE O QUE NÃO SE CONHECE.
Enquanto percebermos o abuso sexual infantil
pela ótica do tabu, não caminharemos em direção a uma solução. Pois o tabu não
admite questionamentos, mas tão somente punição. Na minha opinião, é por conta
disso que até hoje a ciência não foi capaz de dizer o que é, porque acontece e
como prevenir o abuso sexual infantil.
Bem, eu não sou teórico, nem tão
pouco dono da verdade, mas por vários anos me vi diante de centenas de
histórias de abuso sexual infanto juvenil. É a partir desse ponto e com base
nessa experiência que me aventuro nesse tema. Não tenho a menor pretensão de
criar um arcabouço teórico ou um método para abordar tal questão. Apenas
gostaria de dividir minha experiência com vocês na esperança de que possa
ajudar de alguma forma.
"PENSAR NÃO É CONCORDAR
MAS SIM, UMA FORMA DE
COMPREENDER PARA
PODER COMBATER,
POIS NÃO SE COMBATE
O QUE NÃO SE CONHECE".
Então vamos lá! No meu
entendimento existem três formas básicas para lidar com a questão: a forma
preventiva, a forma acolhedora e a forma reativa.
Parte 01: Forma Preventiva:
Quando se fala em prevenção a abuso
sexual infantil, muita gente pensa na divulgação dos casos de ataques de
pedófilos a crianças e adolescentes. Não deixa de ser uma forma e muito
eficiente por sinal, mas faço uma pergunta: Na prática a simples divulgação tem
ajudado a reduzir o nº de casos? Em caso positivo em quantos por cento foi
reduzido? Algumas pesquisas estimam que
de cada 10 casos de abuso sexual apenas 01 é revelado, ou seja 10% do total.
Isso é apenas um dado, mas qual o total de casos? Como o pedófilo atua? isso importa?
Qual o tipo de vítima preferencial do pedófilo? Existe idade mínima ou máxima?
Existe preferência por gênero? Ou por classe social? Ou etnia? Muitas perguntas
e poucas respostas.
Convenhamos nesses casos falar em
prevenção a primeira vista se apresenta como uma “coisa meio estranha”, pois
como vamos nos prevenir de coisas que não conseguimos, se quer definir. De coisas que quem sabe mais sabe apenas 10%
da realidade? Pior do que não conseguir definir é, inconscientemente, se
recusar a pensar sobre o tema. Afinal estamos falando de um tabu. Também quem
em sã consciência vai querer ouvir as motivações que levaram um pedófilo a
abusar de uma criança? Quem concordaria com a expressão: “ela me seduzia
enquanto brincava com sua Barbie???”
Que infame mortal, não se
revoltaria ao ouvir uma criança dizer que durante o banho o pai a obrigava a
fazer sexo oral nele? Creio que ninguém, mas pensemos: EVITAR PENSAR SOBRE O TEMA TEM AJUDADO A
QUEM?
Bem, esse é o “X” da questão.
Calma antes que me excomunguem ou minha orelha comece a queimar, vou explicar,
e para tanto vou usar uma reflexão, mas antes devo dizer ao leitor, que se você
chegou até aqui é porque continua no processo de: REFLETIR SOBRE O ABUSO SEXUAL
INFANTIL. Agora que você já sabe, continuar é uma escolha sua.
Bem, vamos a questão: Existe algo
em comum entre: AIDS e ABUSO SEXUAL INFANTO JUVENIL???
Nossa!!! Quanta cara de paisagem
ao ler a pergunta! Respondo: Claro que sim.
Vou citar alguns pontos de
interseção entre a AIDS e o abuso sexual infanto juvenil.
Primeiro: Tanto a AIDS, quanto o abuso
sexual infanto juvenil passam de alguma forma ou em algum momento pelo
exercício da sexualidade humana.
Segundo: Ambos estão
carregados de preconceitos.
Terceiro: Ambos são
lucrativos.
Ainda tem alguém lendo o texto?
Espero que sim. Bem, continuando, vou aprofundar mais um pouco minhas
afirmações.
1) “Tanto
a AIDS, quanto o abuso sexual infanto juvenil passam de alguma forma ou em
algum momento pelo exercício da sexualidade humana”. Vejamos uma das
formas de se contrair o vírus HIV, é através de relação sexual. O abuso sexual
infanto juvenil envolve práticas sexuais entre um adulto e uma
criança/adolescente. Estão vendo? Simples e direto.
2) “Ambos
estão carregados de preconceitos”. Outra verdade, ainda hoje, mesmo com
todas as campanhas de divulgação na mídia, ainda existe muito preconceito
contra a pessoa soro positiva. Cabe destacar que tem diminuído muito se
comparado com o inicio da década de 80, quando o tema veio à tona, através da
mídia impressa e televisiva. No que se refere ao abuso sexual infanto
juvenil tanto a vítima quanto sua
família e até mesmo o abusador também são vítimas de algum tipo ou em algum
grau de preconceito ou discriminação.
3) “Ambos
são lucrativos”. Isso é obvio, os grandes laboratórios ganham fortunas
com medicamentos que minimizam os efeitos do vírus HIV, permitindo com isso uma
vida normal ( se é que existe vida normal) a esses indivíduos. No mercado negro
mundial a pedofilia ou se preferirem: a exploração sexual infanto juvenil, está
entre as 03 maiores atividades criminosas mais rentáveis do mundo, ao lado do
tráfico de armas e drogas.
Vocês conseguiram perceber: A AIDS, surge
há cerca de 30 anos e hoje depois de muita pesquisa já se isolou o vírus HIV,
já se descobriu como se viver e conviver com ele de forma praticamente normal.
E o ABUSO SEXUAL INFANTO JUVENIL, que é uma atividade milenar não se sabe quase
nada, nem se pesquisa. POR QUE SERÁ???
Pergunto eu, na minha santa ignorância e
ingenuidade: Alguém já tinha pensado o abuso sexual infanto juvenil dessa
forma? Vou deixar vocês pensarem um pouco e postarem comentários, mais tarde
volto ao mesmo assunto.....
Voltei! E aí pensaram no que leram? Bem isso os comentários ou o calor
na minha orelha vão dizer. Pessoal, na verdade minha intenção com esse texto é
levar o leitor a refletir sobre o tema. Espero ter atingido, pois esse, no meu
entender, é o primeiro passo para se desviar o foco do combate ao pedófilo
desmascarado, para o real combate a pedofilia. O que não deixa de ser uma forma
de prevenção.
Parte 02: Prontos para
prevenção???
Quatro pontos importantes devem
ser observados quando se aborda casos de abuso sexual infantil:
1) Via de regra o abuso sexual infantil,
não ocorre ao acaso ou é cometido por pessoas estranhas ao universo da criança.
Na maioria esmagadora dos casos o abusador tem fácil acesso a vítima e a sua
família. Pode ser um parente, um professor, um médico, um psicólogo, um amigo
ou conhecido da família.
2) Outro dado importante: o abuso
sexual infanto juvenil é um crime democrático, manifesta-se em todas as classes
sociais, culturais, financeira, etc.
3) Geralmente o abusador é uma
pessoa que não desperta a desconfiança ou suspeitas dos membros da família, o
que facilita a instalação e manutenção do segredo, condição fundamental para
garantir a impunidade e o anonimato do abusador.
4) Ainda não temos como
identificar um abusador sexual antes que ele abuse de uma
criança/adolescente e esse abuso seja
revelado.
Resumindo: O abusador já pode
estar dentro da sua casa. Nenhuma família está imune ao abuso sexual infanto
juvenil. O abusador não tem cara de abusador. Costumo dizer que o abusador está
mais para Papai Noel, do que para “Homem do saco”. E por fim não existe
prevenção eficaz contra o abuso sexual infanto juvenil.
Diante dessa dura realidade,
posso dizer que a melhor forma de proteger nossos filhos contra o abuso sexual
é o diálogo franco e aberto com eles. É nos fazermos presentes na vida de
nossos filhos, desde tenra idade. Quando falo presente, me reporto a uma
presença amorosa e respeitadora, que promova e estimule o desenvolvimento
psicoemocional da criança/adolescente.
Pode parecer uma resposta singela e
simples diante de um problema milenar e com alto poder de desestruturar uma
família, mas posso afirmar ao leitor que da mesma forma que o simples gesto de
lavar as mãos pode prevenir muitas doenças infectocontagiosas o hábito de
dedicar aos filhos, desde cedo, pelo menos uma hora por dia de atenção pode
gerar um vinculo capaz de impedir que o abusador ataque seu filho ou se não,
facilitar que seu filho conte logo no início os abusos sofridos, prevenindo
assim a ocorrência de maiores danos emocionais.
Cabe observar que quando falo em atenção
aos filhos me refiro a estar com eles, a brincar com eles, a promover
atividades que sejam interessantes para eles. Isso pode parecer simples, mas
diante de um modo de vida agitado, estressante e automático no qual vivemos,
parar para brincar pode ser um das atividades mais difíceis de executar. Se
assim não fosse o mundo atual não teria tanto problemas com crianças e
adolescentes, como temos atualmente.
A Forma Acolhedora
Está forma fala sobre respeito ao
humano das pessoas envolvidas com a situação de abuso sexual infanto juvenil.
Esse pensamento vale até para o abusador, pois quando falo em respeito, não
digo que concordo com o abuso, porém entendo não ser juiz para julgar alguém.
A forma acolhedora se faz útil e
necessária diante um caso de abuso sexual infanto juvenil já revelado pela criança/adolescente e que
tenha vencido a dura e difícil barreira do SEGREDO.
Nessa fase é necessário ouvir o
que a criança tem a dizer, mesmo que seja o silêncio. Não devemos abordar a
criança com perguntas diretas ou indutoras: “papai enfiou o dedo em sua
pepeca?” ou “porque não me contou nada quando aconteceu a primeira vez?” Ou
“Você tem certeza que isso aconteceu?”
Devemos ter como
parâmetro o estado emocional da criança de uma forma geral e como ela se
posiciona diante dos abusos sofridos. Ela está calma? Agitada? Nervosa? Apática?
Sem Fome? Introvertida? Isolada? Etc...
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Se formos fazer perguntas a criança/adolescente (e claro que faremos
perguntas), essas perguntas não devem ter um caráter invasor ou questionador, mas sim buscar
facilitar com que a criança/adolescente
fale de si mesma, partindo do
ponto que ela perceba como mais fácil e simples para ela. Por exemplo: O abuso
foi revelado e o pai quer ouvir da criança o que aconteceu. Sugiro que a leve
para um lugar reservado, porém conhecido da criança. Não leve um batalhão de
gente junto, vá o pai e mais uma pessoa escolhida pela criança. Não interrogue
a criança, apenas pergunte da forma mais tranquila possível: “filha eu soube
que aconteceu alguma coisa contigo e que você não gostou, você poderia me
contar?” Ela sabe que essa “coisa” que o pai pergunta é sobre o abuso sexual.
Se esse pai é uma figura presente no dia a dia da criança e diálogos entre pai
e filha for algo comum na vida dela, as chances dela revelar para o pai o que
aconteceu é muito grande.
Existe uma variedade enorme de sentimentos
envolvidos nos casos de abuso sexual infantil. Alguns ligados diretamente com o
abuso em si. Raiva, dor, ódio, ressentimento, descaso, tristeza. Etc...
Outros ligados aos conflitos internos de cada um dos envolvidos. A
criança confusa e ansiosa não sabendo lidar com a confusão de sentimentos que
afloram no período pós revelação. Bem como também não sabendo lidar com seus
sentimentos em relação ao abusador ou ao próprio abuso em si.
A genitora mergulhada numa culpa
paralisante por não ter protegido a filha, ou envolta na angustia de denunciar
o homem que ama. Confusa sem saber o que fazer diante das avalanches de
cobranças, tanto por parte da família, como por parte das instâncias legais
envolvidas no abuso por atribuição legal.
A família envolta em sentimentos de vingança, justiça ou acusação contra
os responsáveis legais ou até mesmo contra a própria criança, “que acusa um ótimo homem sem
provas”. Por fim, o próprio abusador com
medo de ser processado e preso, por ter
feito algo que em SUA CABEÇA não tem o menor problema, pois fez com a criança o
que alguém faria um dia.
Resumindo a revelação de um abuso sexual
infanto juvenil gera uma crise no seio familiar, que se não for tratada de
forma adequada, tem o poder de desestabilizar toda a família.
Por fim a forma reativa:
Essa é a fase de denuncia. É a
fase em que a mãe (geralmente ela), procura as instâncias legais (delegacia, conselho tutelar, Ministério
Público, etc) para relatar os abusos sofrido pela filha ou filho.
Vamos lá, comente! Deixe aqui o que você pensa. Vamos compartilhar e assim ajudar muitas famílias que passam por isso.